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Diário de gravação #17 – Machismo dentro do estúdio

No dia 29/09/2018, eu estava ao lado de milhares de mulheres (e de alguns homens) marchando contra um indivíduo que prega o ódio a mulheres, LGBTQ+ e negros. Um homem deplorável. Foi uma marcha bonita contra o machismo, a homofobia e o racismo. O amor sempre vence, ainda que a vitória demore a vir.

E aproveitando essa energia da união de mulheres, eu gostaria de dizer algumas palavras sobre como o machismo pode atingir minhas manas no processo de gravação. Já adianto que eu, felizmente, nunca passei por essa situação dentro do estúdio. Fora dele, nos palcos e produções, já aconteceu algumas vezes. Muitas amigas já relataram momentos lamentáveis durante a gravação de um CD, e eu gostaria de compartilhar com vocês algumas considerações.

A pré-produção é aquele momento em que a artista e o produtor precisam trocar referências sobre a estética musical que se deseja para o disco, sobre a escolha das composições e sobre o que se espera de tudo. É um momento de muita troca, muita escuta. Nosso querido Richard me escutou com atenção, fez considerações sobre algumas músicas, me mostrou as possibilidades e as ideias que ele tinha para nosso trabalho. Da mesma forma, eu disse a ele do que eu não abria mão, do que eu fazia questão e do que eu estava sentindo (intuição é muito importante!) sobre o então possível disco. Quando ele foi me mostrando as músicas pré-produzidas, pontuei para ele o que eu gostava e não gostava, e conseguimos equilibrar tudo de forma a agradar os dois. Algumas ideias que eu tinha eram incríveis na minha cabeça – mas só nela. E ele me mostrou que a dele era melhor. E estava tudo bem. Parceria é via de mão dupla, é conversa e troca.

No estúdio, fiz pontuações sobre algumas coisas, e essa troca continuou muito harmoniosa. Às vezes eu cedia, às vezes ele. Isso também ocorreu em relação ao técnico de som (nosso querido Breno) e aos músicos. Como eu disse anteriormente, o clima estava ótimo e facilitou tudo. O percalço que tivemos durante o processo de gravação (ocorreu somente em um momento) foi resolvido com uma conversa sincera e de concessões mútuas. Sem problema, sem pesar. Fluiu.

Quando o disco tomou sua primeira forma “valendo”, eu já estava orgulhosa do que fiz. Não perguntei ao Richard, mas tenho certeza que ele também. Um processo leve só poderia ter um bom resultado. O disco nem nasceu, mas sei que eu o olharei sempre com orgulho e com carinho.

Dito tudo isto, abro as considerações sobre o que já escutei de gravações de colegas e amigas. Infelizmente, existe muito machismo. Do produtor ao técnico de som, homens querem impor suas vontades na arte feminina, e isso acontece por vários motivos, que pode ser vaidade ou por acreditarem que suas ideias devem prevalecer a qualquer custo (“afinal, é o produtor!”). O resultado é devastador para a artista. Além de ser um processo truncado, que não flui e é desgastante, o resultado nem sempre agrada por completo. Afinal, ali não tem a “verdade real” da artista, mas uma verdade corrompida por um homem, que quer ser o protagonista. Já ouvi histórias sobre técnicos que excluíram gravações das artistas para poderem optar pela gravação de sua preferência. Não existe diálogo, somente imposição.

Por isso, minhas amigas que ainda não tiveram um processo criativo como esse, saibam dizer não quando necessário. Façam concessões quando elas não agredirem sua arte e sua verdade. Dialogue ao máximo na pré-produção para alinhar as ideias. Pegue referências dos profissionais com quem trabalha (vale para homens e mulheres). E jamais, JAMAIS, deixem que um homem se aproprie de sua criação. Você é a única pessoa que sabe o valor da sua música e o que quer expressar. Banque ela! Coração dos outros é terra que ninguém anda. Cuide bem dele.

Já fica meu muito obrigada aos homens que estiveram ao meu lado fazendo não mais que sua obrigação. Hehehehe. Beijo, meninos.
Às mulheres, muitos beijos e gratidão eterna por me ajudarem a me tornar mulher.

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